06 agosto 2010

The Matrix


Rob Dougan - Clubbed to Death

Era uma vez um hacker que questionava tudo ininterruptamente, tinha uma farpa cravada na mente que o estava levando a loucura, e que escondia softwares piratas em um livro de fundo falso. A obra cinematográfica dos irmãos Wachowski é inspirada, ou quase copiada da publicação do filósofo francês Jean Baudrillard: “Simulacros e Simulação”, uma obra pós-moderna sobre a erosão do real e o seu deslocamento, ironicamente escrita por um autor polêmico e crítico da cyber-cultura. Mesmo contradizendo alguns dos princípios de Baudrillard, os realizadores esforçaram-se por cumprir suas teorias de forma bastante complexa. Tornando Matrix a prova de que não precisa entender algo para gostar do mesmo, quando estreiou em 1999 a reação da platéia eram somente duas: "Hã?" ou "Wow!". A película tinha um visual perfeito e inovador com um ator ideal para o papel principal, críticos gostam de metralhar Keanu Reaves, mas como cinéfilo afirmo que nenhum ator vivo (ou morto) faria um personagem melhor que o Neo dele.

O niilismo (niilismo pode ser definido como a implosão da subjetividade) estava em alta (e ainda esta), parafraseando os escritos de Eduardo Spor. As estórias e contos em geral antigamente começaram usando como fundo das aventuras as florestas perto do local onde estavam sendo contadas, após um tempo elas foram substituídas por terras distantes, então foram ao espaço sideral e agora sem mais terreno se voltam para o interior do ser humano. Uma das pistas desse pensamento no enredo já se vê em seus primeiros minutos, isso na cena em que Neo abre o tal livro (Simulacro e Simulação), ele é mais grosso que o original e apresenta o capítulo “Sobre o Niilismo” em lugar errado. Talvez, apenas os aficionados interessados nas filosofias percebam isso, mas enfim, fica como curiosidade. Outra prova se acha na net, onde você pode encontrar interpretações subjetivas  tão esdrúxulas que se tornam quase hilárias, e ainda assim mantendo uma lógica razoável, como a de quem Neo é o Anti-cristo (vai contra o “sistema”), Zion é o inferno (situada no fundo da Terra), e Arquiteto é Jeová (velhinho sentando no céu de onde controla tudo).

Indo à premissa básica do roteiro: Neo seria o salvador da humanidade, inspirado no Cristo, contudo não é uma cópia do messias como muitos falam, Buda tem mais influencias nele do que Jesus, se Neo fosse como o carpinteiro, posteriormente à Morpheus informar os seus poderes, deveria tocar uma musica de “ôôhh” e imediatamente Neo moveria as coisas com a mente, não é caso. Morpheus revela que ele é o “The One”, contudo esta no fundo da caverna junto a toda raça humana, assim como descrito por Platão em sua Alegoria, mas que pra sair de lá ele teria uma estrada a seguir, que se assemelha muito ao caminho da iluminação de Sidarta Gautama. Misto, como o yin yang, salva o mundo armado até os dentes atirando com metralhadoras, trilhando o “caminho do meio” que é pregado pelo budismo.

Pra mim o ponto alto búdico é quando o menino diz: “Não tente entortar a colher, isso é impossível, invés disso, somente perceba a realidade: Não existe colher.” Dentro do budismo essa metáfora se aplica da mesma forma que no filme, pois nessa religião, se é que podemos chamar o budismo de religião, ela é praticamente atéia e transmite uma filosofia não-deística. Bom, o fato da colher não existir se refere a um conceito conhecido como “Maya”, onde o mundo todo é uma ilusão e uma vez superada essa ilusão, atinge-se o nirvana. O caminho para a transcendência é a busca pessoal pela iluminação, tanto para os budistas quanto para Morpheus, que afirma que ninguém pode explicar o que é a Matrix. “Você precisa ver por você mesmo”. Já Buda disse a seus seguidores: “Vocês próprios devem fazer o esforço” por que Buda ao contrário do Cristo não salva ninguém, cada um deve ser um Buda (Buddha no sânscrito-devanagari significa o "desperto", do radical despertar)  como ele e seguir seu próprio caminho. Morpheus diz: “Estou tentando libertar sua mente, Neo. Mas eu só posso lhe mostrar a porta. Você é quem deve atravessá-la”.

Como todos os blogs do mundo já ligaram a Alegoria da Caverna de Platão com o filme eu não vou ficar me repetindo, até por que já escrevi sobre ela, aqui esta o post à quem interessar. Logo vou pegar outro filosofo pra continuar: René Descartes, que escreveu: “Quando penso sobre meus sonhos claramente, vejo que nunca existem sinais certos pelos quais estar acordado pode se distinguir de estar dormindo. O resultado é que fico tonto e esse sentimento só reforça a idéia de que eu posso estar sonhando”. Ele imaginou a possibilidade de um demônio estar constantemente lhe dando a ilusão de que todas as suas certezas são corretas, quando na verdade elas não fariam qualquer sentido. Toda essa filosofia do real e ilusório é mostrada por metalinguagem nas imagens que fundem o real filmado com uma câmera comum ao revolucionário efeito Bullet Time. E por mais irônico que seja, as próprias tecnologias usadas para fazer o filme podem dar origem aos primeiros protótipos de uma futura Matrix. Entretanto os diretores deram pistas do que é real e falso dando um tom verde as imagens do interior da Matrix, reforçando o código  de mesma cor mostrando na tela dos operadores.

Aprofundando ainda mais o texto, vamos supor a existência real da Matrix como nosso mundo, isso pois podemos afirmar que, os átomos na realidade podem ser feitos com o mesmo tipo de informação que gera as ilusões dentro da Matrix, assim como o resultado ao se jogar um cara e coroa, o átomo tem sua forma definida pela programação. Somando à isso, existe o fato de que a matéria pode não existir, pois um átomo quando investigado possui uma grande quantidade “nada” em seu interior, vamos supor que um átomo tivesse 15 quilômetros, a sua massa de matéria sólida seria do tamanho de uma bola de basquete, o resto é vazio, e isso supondo que essa “bola” é real, porque a física quântica esta colocando em cheque até mesmo os elétrons e prótons como matéria bruta. O que faz meu dedo afundar ao invés de atravessar as teclas do teclado que estou digitando são as energias atrativas/repelentes que os átomos possuem. Bem perturbador esse fato, concordo com você, você pode sim ser um espírito e já estar no céu... #bang!

O físico John Archibald Wheeler, criador do termo buraco negro, ratifica esse parágrafo acima com pesquisas ao longo dos anos 80 e concluiu que, em um nível ainda mais básico que os quarks, múons e as menores partículas que conhecemos do interior do átomo eram composta de bits (0 e 1). “Cada partícula, cada campo de força e até mesmo o espaço-tempo derivam de suas funções, seus sentidos e sua existência de escolhas binárias, de bits. O que chamamos de realidade surge em última análise de questões como sim/não”. Mas isso em nível sub-atômico, não podemos replicar essa informação para a nossa realidade e dizer que só existe “bem e mal”, física quântica se difere muito da física rudimentar, não vamos confundir as coisas como fez o escritor do “O Segredo”.

A fotografia do filme foi inspirada em Ghost in The Shell, isso porque ambos são derivados do livro ”Neuromancer”, o código da Matrix (as letras caindo) é uma cópia do anime, assim como quando a câmera entra no “zero da tela” de Neo, é idêntica ao mapa 3D do cartoon japonês, os saltos de prédio a prédio tem a mesma enquadração, os tiros do helicóptero que acertam Smith, até as melancias da feira são identicas e ainda muitas outras mais... Os irmãos Wachowski não fizeram questão de esconder esse fato.

Voltando a questão filosófica, e uma das melhores que acho que tem no filme: Cypher quando opta pela “benção da ignorância” está abrindo mão de sua suposta liberdade ou apenas fazendo a sua livre escolha? Já vi muitos críticos dizerem que ele representa o traidor, que é inspirado em Judas e tal, mas eu discordo, por que Neo sim saiu da caverna de Platão e no final da película escrotiza as regras parando balas com a mente, enquanto Cyfer ainda esta dentro da caverna, as maquinas que o controlavam continuam ali, só que agora elas deixaram de ser virtuais e se tornaram reais. Nietzsche em seu livro “Memórias do Subsolo” diz que: “O homem é capaz de deliberadamente escolher aquilo que é prejudicial e autodestrutivo, prefere desejar o nada a não desejar”. Cypher não intenta ser um “anti-herói”, apenas inverte e rejeita as teorias dos seus conterrâneos.

Neo, cedo ou tarde você irá perceber assim como eu percebi: há uma diferença entre conhecer o caminho, e percorrer o caminho.


Da televisão para a mitologia clássica, do cyber-punk à filosofia oriental, Matrix é empilhado de referências, já li centenas delas, só algumas que eu notei:
  • No início vemos o numero 555 que numerologicamente falando significa salvador.
  • A sala em que os policiais tentam pegar Trinity é 303 e o apartamento de Neo é 101.
  • Morpheus oferece a bala azul , caso neo escolha perder a memória, assim como acontecia no Hades, onde todas as almas deveriam beber das águas do Rio Lethe para esquecer quem foram, na colméia da Matrix a humanidade flutua no banho de líquido, as águas do esquecimento...
  • A pílula vermelha é uma referência ao filme “Total Recall” onde Arnold Schwarzenegger deveria tomá-la para acordar da ilusão de Marte.
  • A Oráculo oferece a Neo um Cookie. Na Grécia antiga o Oráculo de Delfos dava aos aconselhados um bolo de cevada misturada com mel para comer.

Um comentário:

[w]ill disse...

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Faltou no texto a definição de "simulacro". Essa palavra é o latin para a palavra similaridade. No contexto da obra de Baudrillard é quando se esta inserido em uma ilusão achando que ela é verdadeira, pois ela seria tão verossímil quando o real. Assim como quando Neo estava dentro da Matrix e não sabia aqui aquilo era falso, ou como o personagem de Bruce willis em o "Sexto Sentido" que não sabia que estava morto o filme todo, ele também estava dentro de um simulacro.

O que me faz pensar o porque de haver tantas referências teológicas no filme Matrix, eu sei que irmãos Wachowski são aficionados por religiões, mas eles (assim como eu) as veem como cultura, ou arte não com olhos devotos, por isso acho que elas estão no filme, pois no nosso mundo, não há simulacro maior que as religiões. Um cristão só vê cristo em tudo, um budista só vê o caminho da iluminação, um místico esotérico só vê sinais e signos e etc...